Começo este novo post por relembrar um treino que eu e ela fizemos à mais ou menos 3 anos, quando ainda ninguém falava da Rocha da Pena como percurso de trail, aqui. Pois é, naquela altura nem nós sabíamos bem o que era o trail, no entanto conhecíamos já alguns dos percursos ali existente e sabíamos que podíamos desfrutar de paisagens únicas.
No ano a seguir, 2014, realizava-se a primeira edição do UTRP. Infelizmente por razões profissionais não pudemos estar presentes. No ano passado ambos participamos no percurso de 25kms.
Este ano como não tinha conseguido completar o Azores Trail Run, arrisquei e apostei tudo no percurso de 50 kms. A Tânia como tem andado afastada dos treinos apenas decidiu participar porque tinha ganho a inscrição, e então decide ir apenas para acompanhar a Rita nos 25kms.
A Organização da prova gaba-se de ser o trail mais quente do ano e parece que na primeira edição estava realmente muito calor, mas o ano passado a verdade é que nem parecia um dia de verão. Resultado...? Este ano vingaram-se e parece que requisitaram o sol por um dia para nos ferver os miolos! Foi simplesmente o dia mais quente do ano, noticiavam os telejornais no dia a seguir.
De madrugada
Cinco para as cinco da manhã e o Filipe acorda-me 5 minutos antes dos despertadores começarem a tocar. A sensação que tenho é que ele me acorda imediatamente depois de me deixar dormir. Para quem nunca dormiu num pavilhão cheio de gente nervosa para fazer uma prova, recomendo: Dose extra de paciência, uns bons tampões para os ouvidos e um tapa olhos, e na hora de usar a sanita... sorte, muita sorte para que quem tenha utilizado antes de nós ainda não sofra de Alzheimer e se lembre de puxar o autoclismo, o que nos dias que correm é muito difícil...
Mas então, tinha acabado de adormecer e acabado de acordar tudo ao mesmo tempo. A partida para a prova dos 50kms era às 7 horas. Era preciso tomar um bom pequeno almoço o quanto antes para dar tempo para fazer a digestão.
A Partida
10/15 minutos antes da partida houve um pequeno briefing para dar algumas explicações sobre o percurso e as marcações e para realizarem a verificação do material obrigatório. Dentro da minha mochila levei, 2 litros de água no deposito principal + uma garrafa de água de 33cl que iria igualmente servir como copo para beber nos abastecimentos. 2 géis, 3 barritas e 3 pastilhas de electrólitos. Acabei a prova com as barritas todas e uma pastilha.
Como já tinha dito aqui, o objectivo para esta prova era acima de tudo terminá-la e se possível entre as 7 e as 8 horas.
Depois do que aconteceu nos Açores estava um pouco a medo e receoso do que poderia acontecer. Apesar de tudo o meu medo principal era os joelhos não aguentarem tanto sobe e desce. Quanto ao calor, sentia que estava preparado, tinha treinado nos últimos dois meses mais para enfrentar o calor do que a distância, o que me valeu umas horas no hospital a fazer soro, por desidratação. Sempre que podia treinava na hora de mais calor, simulei várias vezes o dia da prova com treino a começar às 6 da manhã e a terminarem a meio da manhã. Mas os joelhos de vez em quando davam um ar da sua graça e a partir das 2 horas de treino queixavam-se.
Por isso a estratégia era fazer os primeiros 20 kms mais calmamente e não forçar muito. Em conversa com o Filipe dizíamos sempre que a prova só começava realmente a partir dos 22kms, que de início era só para aquecer. E realmente assim foi.
Os primeiros quilómetros de prova são muito brandos tendo em conta tudo aquilo que ainda temos de passar. Para quem faz os 25kms é difícil porque é muito rápido e tem um final duro, mas para quem vai fazer os 50 kms serve apenas de aperitivo, abre o apetite e permite desfrutar das paisagens.
Os primeiros quilómetros de prova são muito brandos tendo em conta tudo aquilo que ainda temos de passar. Para quem faz os 25kms é difícil porque é muito rápido e tem um final duro, mas para quem vai fazer os 50 kms serve apenas de aperitivo, abre o apetite e permite desfrutar das paisagens.
Nesses primeiros quilómetros desfrutámos ao máximo de todo o ambiente que envolvia a prova. Conversámos bastante, as vistas eram soberbas e as pessoas que encontrávamos bastante simpáticas. Realço o gesto de um senhor que na pequena aldeia da Penina tinha a mangueira ligada para quem se quisesse refrescar, e claro nós tomamos um belo banho...
A prova para mim começa aos 22 kms, mais ou menos, quando se passa a EN503. É nesta altura que começa um sobe e desce interminável até mais ou menos aos 40 kms.
Começo a usar os bastões nas subidas e consigo manter um bom ritmo sem que me custe muito subir. Ganho algum animo com a sensação e chego à chamada "subida da morte" num pico de entusiasmo.
Começo a usar os bastões nas subidas e consigo manter um bom ritmo sem que me custe muito subir. Ganho algum animo com a sensação e chego à chamada "subida da morte" num pico de entusiasmo.
A subida da morte tem a particularidade de ter uma cronometragem à parte com um pódio e prémios próprios, e assim cria-se um ponto de interesse extra dentro da prova. Todos querem ver que tempo fazem a subir a encosta de 400 metros.
Quando chego à base da encosta, no início da subida, paro e aproveito para descansar um pouco para ganhar fôlego para a subida. Também eu quero fazer o melhor que conseguir na subida da morte. Os bastões são uma ajuda extra e facilitam bastante a ascensão. Consigo fazer 04:41 minutos, o 13º melhor tempo num total de 247 atletas que fizeram a subida.
O que a organização não explica no regulamento é que a subida da morte é apenas, e só mais uma subida, e que durante o percurso dos 50 kms fazemos várias subidas iguais e até piores, em piores condições, mas mais à frente explico...
A partir dos 30 kms começo a sentir cãibras e tenho que reduzir bastante o ritmo, custa-me particularmente a descer e nas partes do percurso em que corremos dentro de uma ribeira é particularmente doloroso e difícil progredir.
Mas o problema é quando aos 40 kms de prova temos uma encosta que é, ou pelo menos na altura pareceu-me, mil vezes pior que a subida da morte.
Quem publicita a subida da morte e se esquece de referir aos atletas que depois de fazerem 40kms têm deescalar, esgravatar, trepar, subir, eu sei lá... aquela coisa, é no mínimo sádico. No meio do nada, pouco depois de se sair de dentro da ribeira, numa zona com algumas árvores, começo a ver lá em cima alguns atletas de gatas a esgravatar pedras. A coisa deve ter mais ou menos 400mts mas parecem quilómetros. O piso é de pedra solta, vais a subir e a tentar evitar levar com as pedras que vão resvalando dos de cima. É qualquer coisa saída de um filme de terror. Acontece que quando tinha 50 metros de subida começo a ficar com muitas cãibras e então não consigo subir nem descer. Subir implica levantar a perna acima do joelho para transpor uma zona de pedra, descer era queda a resvalar na certa. Então opto por me deitar de costas ( que na subida é quase o mesmo que ficar de pé) e massajo as pernas durante 2 ou 3 minutos para conseguir voltar a subir. Depois de subir tudo aquilo a descida a seguir pareceu-me quase tão difícil como a subida... E finalmente os últimos 10 kms faziam-me lembrar a idade do condor, com dor aqui, com dor ali, tudo me doía.
Quem publicita a subida da morte e se esquece de referir aos atletas que depois de fazerem 40kms têm de
Abastecimentos
Numa prova com estas condições de calor é necessário e quase obrigatório ir parando em todas as "capelinhas", parecia o rali das tascas no meu tempo de estudante. No percurso, tínhamos um total de 6 postos de abastecimento, espaçados por +/-7 kms nos três primeiros e depois de 10 em 10 kms.
Para além disso existiam pontos em que tínhamos bidons cheios de água com uma esponja onde podíamos literalmente tomar banho. Estes bidons, como ouvi um atleta dizer durante o percurso, davam vida nova a um homem. Permitiam baixar a temperatura e davam uma sensação de alivio quando mais precisávamos. Sem estes pontos de água certamente que seria muito mais penoso terminar a prova.
Para além disso existiam pontos em que tínhamos bidons cheios de água com uma esponja onde podíamos literalmente tomar banho. Estes bidons, como ouvi um atleta dizer durante o percurso, davam vida nova a um homem. Permitiam baixar a temperatura e davam uma sensação de alivio quando mais precisávamos. Sem estes pontos de água certamente que seria muito mais penoso terminar a prova.
Quanto aos postos de abastecimento propriamente ditos, tinham tudo o que devem ter. Eu pessoalmente optei sempre pela mesma estratégia, duas ou mais garrafas de água ( a que levava comigo e que servia de copo), uma de coca-cola (experimentei o isotónico e tinha um sabor horrível para o meu paladar), melancia com sal, e uns cubos de banana para levar pelo caminho. Acreditem que a melancia com sal era a melhor coisa.
Mas o que realmente mais apreciei nos postos de abastecimento foi os voluntários da organização, todos eles de alto nível, como já li nas redes sociais. Todos eles nossos conhecidos das provas regionais. E sendo eles também atletas fazem toda a diferença no apoio ao atleta durante a prova.
Durante a corrida reconheço que vou demasiado focado na prova e absorvido nos meus pensamentos e quase não agradeço o apoio dado por todos eles, mas aproveito aqui para destacar alguns deles.
No 3º posto, o apoio do colega de equipa (COP) Valentim, sempre divertido e prestável, obrigado pela força e incentivo.
No final da subida da morte, em que chego completamente sem fôlego, enquanto enfio a cabeça dentro do bidon de água e fico agarrado aos joelhos de cabeça baixa alguém vai falando comigo, dando-me água, refrescando-me, pergunta como estou e diz-me para ir com calma porque ainda há muito para correr, só quando recupero o fôlego e me começo a afastar vejo quem era, o meu muito obrigado Pina!
No 3º posto, o apoio do colega de equipa (COP) Valentim, sempre divertido e prestável, obrigado pela força e incentivo.
No final da subida da morte, em que chego completamente sem fôlego, enquanto enfio a cabeça dentro do bidon de água e fico agarrado aos joelhos de cabeça baixa alguém vai falando comigo, dando-me água, refrescando-me, pergunta como estou e diz-me para ir com calma porque ainda há muito para correr, só quando recupero o fôlego e me começo a afastar vejo quem era, o meu muito obrigado Pina!
No 4º Posto de abastecimento, o que fico mais tempo, sento-me no chão por 10 minutos mais ou menos à espera do Filipe que se tinha atrasado um pouco, aproveito para reabastecer o depósito da mochila pela primeira vez, comer e beber bastante enquanto recupero e descanso um pouco. Uma senhora vai falando comigo, e é ela que me ajuda a abastecer o depósito e me dá comida da mesa enquanto fico no chão, foi simplesmente impecável. Infelizmente não sei o seu nome, sei que estava naquele posto à espera de um familiar que também estava a competir, no entanto não deixou de ir dando auxílio aos atletas que chegavam, muito obrigado!
Depois no 5º posto mais dois atletas conhecidos, neste posto eles sabiam exactamente o que eu estava a precisar, foi a segunda vez que enchi o depósito da mochila. Obrigado pelo apoio e por me alertarem que a coisa, era já a seguir.
No último posto de abastecimento já nem conseguia ficar de pé a comer, sentei-me a comer melancia com sal e um dos rapazes que lá estava ia-me despejando um garrafão de água por cima da cabeça e das pernas, muito obrigado!
No último posto de abastecimento já nem conseguia ficar de pé a comer, sentei-me a comer melancia com sal e um dos rapazes que lá estava ia-me despejando um garrafão de água por cima da cabeça e das pernas, muito obrigado!
Foram todos excepcionais, impecáveis e incansáveis, para mim são eles o rosto do UTRP.
Final
Quando terminei a sensação foi de dever cumprido, todos os sacrifícios que voluntariamente fiz para treinar, para me levantar cedo, passar horas seguidas debaixo de sol e temperaturas elevadas, fui recompensado com uma prova em que me superei a mim próprio. Fiz 06:45:30 horas, 34º da geral em 133 sendo que só 104 chegaram ao fim, e fiz 16º lugar no escalão em 46 que chegaram ao fim.
Os Ultra trilhos Rocha da Pena, todas as provas, incluindo a caminhada têm de ser planeadas e requerem um mínimo de treino. São condições meteorológicas extremas que mesmo sem correr podem causar problemas de saúde.
A destacar:
Pessoas que não usavam protector solar de certeza. Atletas sem um chapéu, boné puff, o que seja na cabeça.
Ouvi comentários do tipo, ai e tal eu treino mas é sempre com a fresquinha à noite ou de manhãzinha...vais fazer um trail que tem como principal característica ser debaixo de um sol abrasador e não treinas nessas condições????????
Atletas que não se hidratam correctamente, Ela e a Rita, na prova dos 25kms perderam 40 minutos a dar assistência a dois atletas com sinais de desidratação severa, alteração do estado de consciência, desorientação no tempo,espaço e pessoa, etc... a hidratação começa pelo menos uma semana antes a ser reforçada, e durante a prova sempre que possível beber,beber e refrescar. Eu devo ter bebido perto de 10 litros de água durante todo o tempo que decorreu desde que me levantei às cinco da manha até que terminei a prova.
A organização faz recomendações e obriga à utilização de um mínimo de material indispensável, e dá as condições mais que necessárias, mas sempre que alguma coisa corre mal são os primeiros a serem responsabilizados e sem culpa nenhuma. Acho que cada um deveria ter o mínimo de consciência e só se aventurar numa prova destas se estiver em condições de a terminar. Eu certamente que não me aventuro para mais nenhuma prova nas condições do Azores Trail Run enquanto não tiver preparado para enfrentar aquelas condições. Até porque uma prova mal preparada poderá dar em problemas sérios de saúde ao atleta mas também problemas aos outros participantes que prestam auxilio, sem falar nas preocupações e nas aventuras em que a organização é colocada para prestar auxilio a todos os demais atletas que se aventuram neste tipo de provas sem qualquer preparação
Para finalizar só nos resta dar os parabéns à organização, o nosso sincero agradecimento! Apesar dos imprevistos que aconteceram conseguiram chegar a todos aqueles que necessitavam do seu auxílio e têm conseguido de ano para ano surpreender-nos pela positiva numa das provas que começa a dar que falar no circuito de trail nacional e internacional! 5***!
Para finalizar só nos resta dar os parabéns à organização, o nosso sincero agradecimento! Apesar dos imprevistos que aconteceram conseguiram chegar a todos aqueles que necessitavam do seu auxílio e têm conseguido de ano para ano surpreender-nos pela positiva numa das provas que começa a dar que falar no circuito de trail nacional e internacional! 5***!
Agora é tempo de recuperar, férias da corrida por umas semaninhas, pensar nos objectivos para a próxima época.
Até já e boas corridas!